terça-feira, 5 de novembro de 2013

Relatório preparado pelo Grupo de Ação interdepartamental da OIT sobre os países em crise para a Conferência de Alto Nível “Enfrentar a Crise do Emprego em Portugal: que caminhos para o futuro?” (Lisboa, 4 de novembro de 2013)

A situação socioeconómica mantém-se crítica… 
Portugal enfrenta a situação económica e social mais crítica da sua história económica recente.
Desde o início da crise global, em 2008, perdeu-se um em cada sete empregos – a mais significativa
deterioração do mercado de trabalho entre os países europeus, depois da Grécia e de Espanha. A
taxa de desemprego atingiu um máximo histórico de mais de 17 por cento. Os trabalhadores jovens
e as famílias com crianças de tenra idade têm sido afetados desproporcionadamente pela contração
económica.
O mercado de trabalho não registou qualquer melhoria desde o lançamento do programa de
assistência financeira acordado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo
Monetário Internacional, em 2011. De facto, a tendência de desemprego crescente intensificou-se
nos últimos dois anos – embora com alguns sinais de redução nos meses mais recentes.
Alguns desenvolvimentos podem produzir efeitos de longo prazo que dificultarão a manutenção dos
níveis de vida atuais. O volume do investimento produtivo foi reduzido em mais de um terço desde
2008 – tendo-se verificado grande parte deste declínio nos dois últimos anos –, provocando uma
erosão nos ganhos de produtividade e prejudicando uma prosperidade futura. Os mais de 56 por
cento de desempregados que estão sem trabalho há mais de um ano estão a perder competências e
motivação, e terão acrescida dificuldade em participar numa retoma económica futura caso não lhes
seja prestado um apoio adequado. Muitos trabalhadores, incluindo parte dos jovens mais talentosos
e qualificados, têm vindo a ser empurrados para a emigraração. De facto, quase 20 por cento da
população gostaria de se mudar permanentemente para o estrangeiro, caso surgisse a oportunidade
para tal.
As últimas projeções do Fundo Monetário Internacional apontam para uma recuperação económica
em 2014. De facto, alguns sinais encorajadores de uma atividade renovada têm sido registados
recentemente, nomeadamente graças a um aumento das exportações. Porém, à luz das atuais
tendências, a recuperação esperada revelar-se-á demasiado insipiente para provocar qualquer efeito
positivo no desemprego.
… o que reflete as condições macroeconómicas excecionalmente apertadas, 
particularmente desde o início do programa de assistência financeira, assim como…
Esta situação crítica reflete uma combinação de fatores macroeconómicos e de fatores estruturais.
A política orçamental tem sido orientada para uma rápida redução dos défices, os quais haviam
atingido proporções alarmantes. As medidas de restruturação do setor público contribuíram
diretamente para o desemprego. Os cortes nos salários e nas prestações sociais, combinados com
certos aumentos fiscais, desgastaram os rendimentos das famílias e a procura interna. Também as
empresas foram afetadas pelas condições macroeconómicas excecionalmente apertadas que
prevaleceram desde 2011. Mais de um quinto das pequenas e médias empresas referem que o acesso
ao crédito é o seu problema mais premente – daí resultando menores oportunidades para a criação
de emprego. E, quando obtêm novo crédito, veem-se obrigadas a pagar sobre esses financiamentos
taxas de juro que rondam os 5,5 por cento, comparativamente com os 2 por cento que são cobrados
na Alemanha e noutros países da Zona Euro.
O crescimento das exportações constitui uma evolução positiva, que mostra que a economia tem
capacidade para competir nos mercados mundiais. Contudo, este aumento das exportações não
consegue compensar o continuado enfraquecimento da procura interna.
… as debilidades estruturais nas instituições do mercado de trabalho, anteriores à 
crise e ainda não corrigidas. 
Para lá dos fatores macroeconómicos, as instituições do mercado de trabalho tiveram um êxito
apenas parcial na atenuação do impacto da crise económica sobre o emprego. Assim, a panóplia de
políticas ativas do mercado de trabalho e os serviços públicos de emprego têm sido insuficientes
para fazer face ao aumento significativo do desemprego registado nos últimos anos. O efeito
positivo das políticas de emprego foi ainda mais atenuado por algumas das medidas de consolidação
orçamental que condicionaram programas-chave de apoio ao emprego.
Uma outra instituição essencial em época de crise é a prática da manutenção do emprego. Em
Portugal, esta prática tem sido travada por uma incidência relativamente elevada de trabalho
temporário e pelo fenómeno do trabalho por conta própria “dependente”. Ambas as tendências são
anteriores à crise e têm vindo a intensificar-se desde então.
De igual modo, a cobertura da negociação coletiva – uma instituição que provou ser essencial para
prevenir a perda de emprego em empresas viáveis em países como a Alemanha, a Holanda e a Itália
– tem diminuído em proporções sem precedentes. A reforma da negociação coletiva de 2011 visou
promover acordos ao nível da empresa, entre os empregadores e os trabalhadores. No entanto, até
ao momento, a reforma resultou numa redução geral da cobertura dos convenções coletivas,
aumentando assim a pressão para a redução dos salários e contraindo ainda mais a procura interna.
A proporção de trabalhadores a auferir o salário mínimo mais do que duplicou desde o início da
crise.
É necessária uma nova estratégia…
Parece ser necessário começar de novo para enfrentar estas tendências. Tais mudanças de políticas
terão de ter em conta a estagnação de longo prazo com que Portugal já se defrontava antes da crise.
Entre 2000 e 2008, a taxa de desemprego registou uma suave tendência de subida. Os rendimentos
médios reais da população portuguesa estagnaram, ao contrário do sucedido na maioria dos países
da UE. Neste período também se assistiu à emergência de desequilíbrios significativos,
nomeadamente um declínio no esforço de investimento, o surgimento de um elevado défice das
contas correntes e um aumento da dívida pública.
… e é possível através da mudança para uma abordagem mais centrada no emprego… 
O relatório aponta as inúmeras vantagens de uma estratégia coerente centrada no emprego. Uma
abordagem deste tipo inclui, em primeiro lugar, medidas para lidar com os constrangimentos
financeiros que pesam sobre as pequenas empresas. O Governo criou um sistema de garantia de
créditos que deverá, indubitavelmente, ajudar. No entanto, o verdadeiro problema reside na situação
financeira dos bancos e na sua relutância em conceder novos empréstimos em vez de investir em
ativos financeiros mais seguros. Esta é uma área em que um avanço célere para uma união bancária
na Zona Euro desencadearia um progresso rápido e significativo no sentido do investimento
sustentável e da recuperação do emprego.
Em segundo lugar, a base de produção seria estimulada através de medidas para facilitar a transição
de pequenas para médias empresas, para abrir novos mercados de exportação e para beneficiar de
padrões emergentes de vantagem comparativa. Sobre este ponto, o dinamismo de outros países de
língua portuguesa e a presença de uma ampla diáspora portuguesa em certos países constituem
ativos importantes.
Em terceiro lugar, instituições do mercado de trabalho bem concebidas podem contribuir, não só
para apoiar aqueles que procuram emprego, como também para fomentar o desenvolvimento de
uma nova base de produção. O relatório fornece exemplos de boas práticas no que respeita a
facilitar a transição para formas estáveis de emprego, reforçar a inspeção do trabalho, garantir uma
adequada cobertura da negociação coletiva aliada à competitividade das empresas e reforçar políticas
ativas do mercado de trabalho e serviços públicos de emprego eficazes. A posição de
competitividade do país torna possível que, no futuro, os salários cresçam a par da produtividade, o
que colocaria um travão na depressão da procura e sustentaria, assim, o processo de transformação.
Em quarto lugar, dedicar uma atenção especial aos grupos que se encontram em desvantagem,
nomeadamente os jovens, constitui não só uma emergência social, como também uma necessidade
económica. Os programas de garantias para jovens provaram ser especialmente úteis no combate ao
desemprego jovem em países como a Suécia e a Finlândia. A Comissão Europeia expressou a
intenção de financiar programas semelhantes nos Estados-Membros. Estes recursos seriam
essenciais em Portugal, tendo em conta os apertados constrangimentos orçamentais. No entanto, as
estimativas apresentadas neste relatório sugerem que os recursos necessários para financiar estas
intervenções excedem as propostas avançadas pela Comissão.
Os agregados familiares sem emprego constituem outro grupo-chave a merecer uma maior atenção
por parte das políticas. A pobreza infantil tende a ser elevada neste grupo, suscitando preocupações
sociais e sugerindo também que as medidas de intervenção poderiam ter um retorno significativo a
longo prazo. O relatório analisa exemplos de programas dirigidos aos agregados familiares sem
emprego.
De sublinhar que Portugal está relativamente bem posicionado para implementar estes programas. A
capacidade institucional é, em geral, sólida, em especial quando comparada com outros países em
crise. Além disso, o sistema de proteção social tende a ser mais redistributivo que noutros países. A
manutenção do poder de compra das prestações sociais seria essencial para o sucesso de uma
estratégia deste tipo.
Em quinto lugar, é necessário resolver certas fragilidades do sistema educativo que já se verificavam
antes da crise. Apesar das significativas melhorias registadas nos últimos anos, nomeadamente em
termos da qualidade do ensino secundário e do desempenho das universidades, apenas 68 por cento
dos jovens completam o último ciclo do secundário, face a uma média de 75 por cento nas
economias avançadas. De um modo geral, a transição escola-trabalho pode ser facilitada através de
um sistema de aprendizagem, de experiência em contexto de trabalho, de estágios curriculares e de
novas parcerias entre os estabelecimentos de ensino, as empresas, os representantes dos
trabalhadores e os próprios jovens.
Em sexto lugar, uma estratégia favorável ao emprego requer um forte envolvimento dos parceiros
sociais enquanto atores-chave no mundo do trabalho. O diálogo social em torno de difíceis opções
políticas e de possíveis trade-offs é crucial para que se alcancem soluções equilibradas. Além disso,
promoveria a confiança e ajudaria a definir uma visão para um futuro melhor.
… que travaria o desemprego enquanto ajudaria a atingir as metas orçamentais, a um 
ritmo ligeiramente mais lento do que o previsto atualmente. 
Algumas destas políticas acarretam inevitavelmente custos para o erário público. O relatório mostra,
no entanto, que esses custos surgiriam principalmente no curto prazo e seriam compensados ao ser
posto em marcha um processo de recuperação do emprego. De acordo com as simulações de
políticas da OIT, uma maior atenção dada às políticas favoráveis ao emprego contribuiria para
reduzir o desemprego até 2 pontos percentuais até 2015. O ritmo de redução do défice orçamental
seria mais lento em 2014, mas aceleraria nos anos seguintes.
Existem também motivos de peso em prol de um sistema bem concebido de apoio ao emprego ao
nível da Zona Euro. Trata-se de um assunto que está a ser considerado nos debates da UE sobre as
dimensões sociais da União Monetária europeia. Para mais, um reforço do papel do Banco Europeu
de Investimento (BEI) seria importante para desbloquear o potencial de investimento de Portugal.
A OIT está disponível para trabalhar com Portugal sobre melhores empregos para
uma melhor economia.
A OIT poderia fornecer orientações para a identificação e análise de intervenções consideradas boas
práticas a nível internacional, com base nas quais o Governo português e os parceiros sociais
poderiam escolher programas adequados às suas necessidades específicas. A OIT poderia ainda
prestar apoio no processo de definição de políticas, através de aconselhamento sobre conceção das
políticas e encorajando a participação dos parceiros sociais nas diferentes fases do processo. Além
disso, a OIT poderia apoiar diretamente a execução dessas políticas através de formação
especializada em áreas como a inspeção do trabalho, o diálogo social ou os serviços públicos de
emprego. Por fim, a OIT poderia apoiar o Governo na articulação com outras organizações
internacionais, de forma a assegurar a execução de uma estratégia macroeconómica e de emprego
coerente.

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