sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A UGT não aceita ser apenas vista como um parceiro credível e responsável

O Governo vem cada vez mais assumindo um discurso marcado por uma nota de forte optimismo face a alguns sinais económicos positivos que vão sendo destacados.
A UGT não pode, porém, deixar de assinalar que tal discurso nos parece manifestamente desadequado face a outros indicadores disponíveis, à situação social do País e às reais dificuldades que continuamente são impostas e diariamente são vivenciadas e sentidas pelos trabalhadores, pensionistas, reformados e desempregados.
Com efeito, a UGT deve manifestar agora, como sempre, as suas reservas quando as condições de vida e de trabalho — elevada taxa de desemprego, atingindo particularmente os jovens, baixas taxas de criação de emprego, insustentável redução dos salários e das pensões, crescimento das situações de pobreza e das desigualdades, fuga para o estrangeiro por falta de condições no País, sobretudo da geração mais jovem e melhor qualificada — continuam a deteriorar-se, fazendo perigar os mínimos de dignidade e de sobrevivência dos portugueses.

Por outro lado, a UGT não pode aceitar que o Governo, destacando a revisão em alta do crescimento económico, o resultado do exercício orçamental de 2013 — que ultrapassou as metas acordadas com a Troika — ou ainda uma aparente retoma da confiança empresarial para o investimento, persista em não aproveitar as margens de manobra e as folgas orçamentais existentes para atenuar o rumo de uma política que soma austeridade sobre austeridade.
Esta obstinação, aliada a uma profunda insensibilidade social do Governo, são bem patentes no Orçamento do Estado para 2014 e no Orçamento Rectificativo entretanto apresentado à Assembleia da República.
Face a um Orçamento do Estado de mais sacrifícios e austeridade, com um agravamento dos cortes nos salários da Administração Pública e do Sector Empresarial do Estado e o forte ataque, por diversas vias, às pensões (alteração ao regime de aposentação, corte nas pensões de sobrevivência e nos complementos de pensões, manutenção da contribuição extraordinária de solidariedade, não obstante o seu carácter transitório), que nos parecem atentar contra princípios constitucionais que devem estar presentes num verdadeiro Estado de Direito democrático, a UGT interpelou o Presidente da República, os partidos políticos com assento parlamentar e o Provedor de Justiça, com vista a assegurar o pleno cumprimento da nossa Constituição.
Não temos a ilusão de ter sido a UGT a determinar os pedidos de fiscalização de constitucionalidade já realizados, ou os que serão realizados, mas estamos certos que os argumentos e as posições expressas pela UGT foram ouvidos e atendidos, nomeadamente pelos partidos políticos com os quais já reunimos. A necessidade de uma intervenção do Tribunal Constitucional faz-se igualmente sentir, e a UGT a tal instará, nomeadamente na reunião que aguardamos com o Presidente da República, face a um Orçamento Rectificativo que novamente ataca os mesmos alvos - funcionários públicos e pensionistas - por via do agravamento da CES e do aumento das contribuições para a ADSE. São sacrifícios que, sob uma pretensa égide de reforço de sustentabilidade dos sistemas públicos, no caso sistemas das áreas da saúde e da protecção social, vêm novamente apenas reduzir os custos, ou aumentar receitas do Estado, na medida em que as verbas recolhidas são desviadas para o combate ao défice orçamental.
Por outro lado, este orçamento rectificativo soma sacrifícios a sacrifícios, seguindo a via de ir testando os limites da constitucionalidade de medidas já aceites no passado, o que apenas agrava os riscos de uma governação à margem da Constituição.
A UGT não pode deixar aqui de manifestar a sua oposição a uma estratégia que é comum ao OE 2014, à proposta de OE rectificativo e à política económica e social em geral. Com efeito, assistimos a opções ideológicas, pelas quais o Estado se vem demitindo mais e mais das suas responsabilidades sociais e coloca em causa o papel, e o próprio funcionamento, dos sistemas e serviços públicos, em áreas centrais como a protecção social, a saúde, a educação e o emprego. Esta é uma via que a UGT rejeita liminarmente e que parece evidenciar bem o que será de esperar da pretendida Reforma do Estado.
A UGT deve registar as dificuldades em tornar consistentes as consequências de um pseudodiálogo que tem marcado a construção e a definição das políticas deste Governo, a qual é particularmente gravosa quando se trata de matérias que directamente respeitam a trabalhadores e empregadores, como é o caso dos sistemas de protecção social.
Este vazio é aliás sentido e notório em todos os níveis de relações laborais, começando na concertação social. A CPCS tem sido marcada cada vez mais pela inexistência de uma verdadeira agenda e por uma minimização do papel dos parceiros sociais, reduzindo-a à discussão de temas acessórios, ou a uma sede de mera audição e não de construção de compromissos.
A última reunião de concertação social, realizada a 29 de Janeiro, foi disso exemplo. O Governo, na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional sobre os despedimentos por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, prepara-se para alterar de novo o Código do Trabalho, escudando-se num acordo tripartido que tem sistematicamente desrespeitado, esquecendo o real contexto em que foi celebrado, nomeadamente o Memorando de Entendimento que o condicionou.
Esta é uma alteração que nos suscita reservas por esses motivos, pelo seu conteúdo, cujo risco de inconstitucionalidade é elevado, e pelo contínuo desequilíbrio na execução do acordo tripartido, penalizando sempre prioritariamente os direitos dos trabalhadores.
A UGT não aceita ser apenas vista como um parceiro credível e responsável, assumindo o seu empenho na manutenção de uma desejável estabilidade social, mas exige que tal responsabilidade e empenho sejam correspondidos por uma postura idêntica de responsabilidade, abertura, diálogo e cumprimento de compromissos por parte dos responsáveis governativos.
O vazio negocial estende-se igualmente à própria negociação colectiva, em que o Governo se demite dos seus compromissos e competências, enquanto dinamizador e enquanto empregador, e surge mesmo como um obstáculo a uma mais efectiva regulação do mercado de trabalho, distanciando-se da UGT e dos seus sindicatos e refugiando-se na troika, sempre como escudo protector da sua inoperacionalidade e incumprimento.
Este vazio é uma situação insustentável que a UGT considera essencial alterar e, relativamente à qual, parece existir uma cada vez maior convergência dos parceiros sociais.
O Secretariado Nacional da UGT, reunido a 30 de Janeiro de 2014, decide:
  • Exigir uma mudança de políticas que assuma uma verdadeira alternativa à via da austeridade sobre austeridade e à insensibilidade social. A UGT defende a necessidade de políticas de crescimento e de emprego, que promovam a justiça e a coesão sociais, factores chave do nosso Congresso de Abril de 2013;
  • Rejeitar uma política de imposição de sacrifícios sempre sobre os mesmos, construída numa lógica que, nomeadamente, testa e compromete o respeito pela Constituição conforme se vem verificando com os salários da Administração Pública, com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade sobre as pensões, ou as alterações ao Código do Trabalho;
  • Manifestar a disponibilidade da UGT para encetar um processo de diálogo bilateral com a confederações com assento na CPCS, com vista à obtenção de um amplo consenso/acordo sobre um conjunto de matérias fundamentais para os trabalhadores — actualização do salário mínimo; revogação da RCM sobre a extensão das convenções colectivas e dinamização da negociação colectiva; redireccionamento das políticas no sentido da promoção do emprego e do crescimento económico — e que poderá constituir-se como uma base importante para um possível entendimento tripartido após o termo do programa de ajustamento;
  • Saudar os partidos políticos pelos pedidos de fiscalização de constitucionalidade de algumas normas do OE 2014, dando assim corpo às preocupações e posições expressas pela UGT sobre os cortes e reduções operados (salários, pensões e complementos de reforma);
  • Apelar aos grupos parlamentares que, no quadro do Orçamento Rectificativo, combatam a profunda injustiça e promovam a alteração ou eliminação das propostas de agravamento da CES e do aumento das contribuições para a ADSE. Uma vez mais, são propostas que prejudicam os trabalhadores e pensionistas, não tendo sequer por base a sustentabilidade dos sistemas públicos de segurança social e antes comprometem a sua qualidade;
  • Solicitar a intervenção dos diversos actores políticos no sentido da apresentação de pedidos de fiscalização das normas do OE rectificativo, por considerarmos que violam os princípios constitucionais da equidade, da proporcionalidade e da protecção da confiança;
  • Rejeitar a sistemática existência de pseudo-processos negociais, sobretudo nos sectores da Administração Pública e Sector Público Empresarial, conforme sucedeu uma vez mais no recente processo sobre as contribuições para a ADSE;
  • Reconhecer o impulso que as associações sindicais da Administração Pública da UGT têm dado na negociação colectiva, através da celebração de ACEEP’s, nomeadamente em torno da reposição das 35 horas de trabalho semanal, esperando que o Governo não crie qualquer tipo de obstáculo à preservação deste direito;
  • Exigir do Governo processos de diálogo sério e efectivo com a UGT e os seus sindicatos a todos os níveis, desde a concertação social à negociação colectiva, que conduzam a alternativas mais justas e credíveis para os trabalhadores e pensionistas e para o País.

30-01-2014
APROVADO POR UNANIMIDADE

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